Sindicalizar-se no ramo digital pode ser arriscado

A Medium é uma rede social voltada para um conteúdo mais sério que as impressões pessoais que dominam a internet. Para alavancar esta proposta a rede mantinha nove publicações próprias com jornalistas contratados, mas agora tudo mudou e o objetivo passa a ser “apoiar vozes independentes em nossa plataforma” o que resultou na demissão de todo o departamento editorial.

 Trabalho e Economia   Março 28, 2021

Sindicalizar-se no ramo digital pode ser arriscado

Por:

mdo José Augusto Camargo

A Medium é uma rede social voltada para um conteúdo mais sério que as impressões pessoais que dominam a internet. É uma espécie de agregador de blogs pessoais que publica textos mais elaborados ou mesmo literários, sendo que a plataforma oferece apoio, divulgação e fidelização de leitores. Para alavancar esta proposta a rede mantinha nove publicações próprias com jornalistas contratados, mas agora tudo mudou e o objetivo passa a ser “apoiar vozes independentes em nossa plataforma” o que resultou na demissão de todo o departamento editorial.

A comunicação foi feita por e-mail enviado em 23 de maio onde se anuncia uma espécie de Programa de Demissão Voluntária (PDV) que permitirá aos trabalhadores “deixar a empresa e receber um pagamento fixo de cinco meses de salário para criar uma reserva até encontrar seu próximo emprego. (Também cobriremos seis meses de benefícios para a saúde)”.

Aparentemente tudo igual a qualquer empresa que passa por reestruturação ou por sérios problemas financeiros. Mas a questão não é esta. Tudo aconteceu depois que o departamento editorial participou da campanha de sindicalização dos funcionários.

A legislação trabalhista nos EUA tem algumas peculiaridades. O processo de sindicalização não é um ato individual, os funcionários podem formar sindicatos por empresas e para tanto fazem uma eleição interna e votam; caso vença o sim todos os funcionários independentemente do setor se sindicalizam, se der não o sindicato não os representa. Neste caso a discussão era para a criação da Medium Workers Union, integrante da Communications Workers of America.1

No entanto, o projeto fracassou por um único voto; seriam necessários 76 votos sim e os trabalhadores obtiveram 75 (além de 68 votos não e sete abstenções). O sindicato perdeu a votação em fevereiro e, um mês depois, veio a retaliação patronal, apesar da declaração inicial que não haveria consequências para os trabalhadores.2

A empresa organizou uma campanha contra a sindicalização e chegou a contratar a Kauff McGuire & Margolis, uma consultoria especializada, segundo seu site, em “questões de trabalho, emprego e imigração” pelo “lado administrativo” que oferece “Aconselhamento sobre problemas decorrentes da legislação trabalhista estadual e local”. Na prática ela é acusada de fazer lobby antissindical. Além disso, o dono da Medium, Evan (Ev) Williams, milionário do Vale do Silício que participou da criação do Blogger e do Twitter, atuou particularmente na negociação pressionando funcionários a votarem não, conforme denúncias. Segundo empregados, o departamento editorial, agora encerrado, teria sido um dos que mais atuaram em favor da sindicalização.

E para terminar – a cereja do bolo – Ev Williams declarou que o verdadeiro motivo das demissões seria o fato de que a empresa vai mudar o foco do negócio para “apoiar vozes independentes em nossa plataforma”, ou seja, abandonar o conteúdo jornalístico próprio, cortar salários e se apoiar em mão de obra barata (no caso a dos internautas). Esta decisão, segundo sua versão, não tem relação com a mobilização trabalhista, mas com o fato de que: “o papel das publicações – no mundo, não apenas no Medium – diminuiu na era moderna (…) A confiança é mais importante do que nunca e marcas editoriais bem estabelecidas ainda têm significado. Mas hoje, credibilidade e afinidade são construídas principalmente por pessoas – vozes individuais – em vez de marcas”.3

A sofisticada economia dos especialistas do Vale do Silício, que parecia não padecer do mesmo grau de precarização dos simples entregadores de aplicativos “uberizados”, com relações de trabalho “moderninhas” sem controle de horário ou rigidez hierárquica na verdade não tem nada de novo. Trata-se da tradicional relação capital trabalho com nova roupagem, agora digital.

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1 Você pode conhecer (texto em inglês) a proposta de criação do sindicato em https://in.mashable.com/tech/20236/medium-unionizes-as-organizing-spreads-from-media-to-tech além do próprio site da organização que já estava em funcionamento; https://mediumworkersunion.org/

2 Resultado da eleição (texto em inglês) em https://www.theverge.com/2021/3/1/22307415/medium-union-effort-stalls-one-vote-short-majority-cwa

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