Uma das características principais do neoliberalismo é o combate ferrenho aos sindicatos. A completa implantação da doutrina se efetiva pela desregulamentação do mercado de trabalho que, por sua vez, dá início a um novo ciclo de acumulação do capital sem os freios e contrapesos impostos pelo movimento sindical.
Trabalho e Economia Julho 28, 2021
Por:
José Augusto Camargo
Uma das características principais do neoliberalismo é o combate ferrenho aos sindicatos que são, em essência, os guardiões dos direitos trabalhistas conquistados em décadas de luta. A completa implantação da doutrina se efetiva pela desregulamentação do mercado de trabalho que, por sua vez, dá início a um novo ciclo de acumulação do capital sem os freios e contrapesos impostos pelo movimento sindical.
Ao contrário do que o senso comum apregoa o neoliberalismo não surgiu quando Margaret Thatcher se tornou primeira-ministra da Inglaterra em 4 de maio de 1979, mas, é fato, o seu governo (e o de Ronald Reagan eleito em seguida nos EUA) são tidos como marcos históricos da sua implantação. (1)
Se nasceu antes, foi ao longo dos anos de 1980 que o neoliberalismo triunfa em todos os cantos do globo e na América Latina não foi diferente, com destaque para o Chile onde ele já dava as caras desde 1973 durante a ditadura de Pinochet, portanto, antes de se alojar na Inglaterra. Acerca do papel chileno nesta história é interessante conhecer a opinião de Marco Antonio Nieto Muñoz e Hugo Pichardo Hernández:
El neoliberalismo que desarrolló Chile gracias al apoio de los países dominantes capitalistas durante la dictadura de Pinochet sirvió como prueba para el mundo occidental para saber si este nuevo modelo socio-económico que habian desarrollado exclusivamente funcional con los intereses capitalistas de las potencias y con los intereses como nación de los Estados Unidos (2)
Como não poderia deixar de ocorrer o neoliberalismo também grassou em terras brasileiras, mas com uma peculiaridade, seu avanço se deu mais fortemente após a eleição de Fernando Henrique Cardoso que governou entre 1995 e 2002 (já havia ocorrido uma amostra do receituário neoliberal no catastrófico governo de Fernando Collor, mas sem a abrangência de FHC).
O motivo deste “atraso” foi que na década de 1980 o povo brasileiro lutava para construir uma democracia socialmente mais justa – cujo símbolo se tornou a promulgação da chamada Constituição Cidadã em 1988. Enquanto os países do centro capitalista desmontavam seus estados de bem-estar social e atacavam as organizações dos trabalhadores por aqui nós nos esforçávamos para implantar políticas públicas consistentes e os sindicatos se fortaleciam com a criação das Centrais Sindicais, particularmente a Central Única dos Trabalhadores – CUT (além dos vários movimentos sociais reivindicativos e do Partido dos Trabalhadores – PT que crescia eleitoralmente).
Foi o governo do Partido dos Trabalhadores, primeiro com Lula (2003-2010) e depois Dilma Roussef (2011-2016), que se tornou como um empecilho à consolidação definitiva do neoliberalismo entre nós. Mesmo com suas limitações a administração petista era um estorvo e precisava ser afastada. A solução encontrada foi o golpe da destituição de Dilma sem comprovação de culpa e a entronização de Michel Temer como ponta de lança do desmonte social e preparação do terreno para a segunda etapa golpista; a eleição de um candidato aliado aos grupos financeiros e ao capital especulativo; neste processo, mesmo não sendo a sua escolha preferida a elite abraçou Jair Bolsonaro com todas suas limitações intelectuais e morais. Neste quadro o movimento sindical, mesmo com as dificuldades estruturais em que se encontrava, foi a parcela da sociedade civil organizada que mais se opôs ao desmonte do estado brasileiro.
O Ministério do Trabalho era um órgão incorporado à estrutura governamental brasileira; criado em novembro de 1930, foi parte do projeto de modernização do aparelho estatal de Getúlio Vargas. Por mais que a pasta, ao intermediar as relações entre trabalhadores e empresários, pudesse ter o intuito de controlar as entidades mantendo-as dentro de limites estabelecidos pelo poder do Estado sua própria existência já implicava o reconhecimento do proletariado como uma importante força social que não podia mais ser simplesmente combatida ou ignorada. Desta forma, o ministério atravessou o século XX, sobreviveu a mudanças conjunturais, ditaduras, crises políticas e econômicas sem nunca ter tido sua importância contestada.
Mas neste novo século, com a hegemonia do neoliberalismo e perpetrado o golpe, a alta burguesia brasileira que nunca aceitou dividir o poder enxergou uma nova oportunidade para golpear violentamente as organizações ligadas ao proletariado. Não foi por acaso que o curto governo Temer (de agosto de 2016 a dezembro de 2018) se empenhou em desmontar os sindicatos com uma avalanche de contrarreformas, entre elas a trabalhista. Para completar o mal feito, em seu primeiro dia no poder, Eduardo Bolsonaro extingue o Ministério do Trabalho e sua estrutura passa a integrar o Ministério da Economia, um ato que, simbolicamente, representa a derrota do trabalho frente ao capital que, assim, toma definitivamente o Estado em suas mãos.
Em uma sociedade marcada pelo conflito capital x trabalho a existência no aparelho estatal de um órgão que – a despeito de todos os seus problemas e contradições – represente os trabalhadores é, por si só, um elemento democratizante e espaço de interlocução entre o mundo do trabalho e o governo. Não por acaso a Fundação Perseu Abramo, instituída pelo PT, inseriu o assunto no Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil: “Recriar o Ministério do Trabalho, instância necessária à coordenação das políticas em nível nacional e de implementação da legislação protetiva e de combate às formas degradantes de trabalho” (página 97). (3)
No primeiro mandato do presidente Lula o Ministério do Trabalho e Emprego teve três titulares (Jaques Wagner, Ricardo Berzoini e Luiz Marinho) petistas oriundos do movimento sindical cutista, o que delimitava a pasta como espaço claramente voltado aos interesses dos trabalhadores, mas, devido às peculiaridades do nosso “presidencialismo de coalizão”, o ministério acabou, no segundo mandato, sendo entregue à base aliada na figura de Carlos Lupi, que permanece no cargo até o primeiro ano do mandato da presidenta Dilma Roussef. Se o ministro não tinha formação sindical ao menos seu partido, o PDT, historicamente era herdeiro do trabalhismo surgido no segundo governo Vargas e alimentado por Leonel Brizola.
Neste momento já se começa a notar os primeiros sinais de enfraquecimento da pasta do trabalho. Em dezembro de 2011 Carlos Lupi deixa o cargo e em seu lugar assume interinamente o secretário-executivo da pasta, Paulo Roberto dos Santos Pinto. O interino ocupa o cargo por nada menos que quatro meses, até que em abril de 2012 Brizola Neto (PDT) assume a pasta mas não chega a completar um ano na cadeira, saindo em março do ano seguinte. No período que se segue, ate o afastamento de Dilma devido ao processo de impeachment (maio de 2016), outros dois ministros assumem a pasta; Manoel Dias (também do PDT) e Miguel Rossetto, quando então o cargo volta a ser ocupado por um ex-sindicalista cutista como resultado de uma reforma ministerial, em outubro de 2015, que cria o Ministério do Trabalho e Previdência Social – MTPS (com a fusão coube a Miguel Rossetto tocar o novo ministério).
Se este quadro apresenta a relativa fragilidade da pasta do trabalho, a situação fica ainda mais complicada no governo Temer. De maio de 2016 até dezembro de 2019, quando em 44 meses quatro pessoas ocuparam o cargo, uma delas como interino (Eliseu Padilha) por apenas poucos dias em julho de 2018; entre 27/12/2017 e 10/04/2018 houve um período de vacância quando o país simplesmente ficou sem ministro do trabalho (Helton Yomura, secretário-executivo do ministério, exerceu as funções como substituto). Em janeiro de 2018 outra crise atinge o ministério quando a indicada para o cargo, Cristiane Brasil, tem a posse suspensa por liminar dando origem a uma batalha jurídica que termina somente em abril de 2019 com o seu afastamento definitivo e a oficialização no cargo do então substituto. Nesta fase nenhum dos que responderam pelo ministério tinha qualquer ligação formal com o mundo do trabalho; ou integravam a burocracia estatal ou eram indicação de grupos de interesse políticos partidários.
Finalmente a tragédia se consuma em 1º de janeiro de 2019 com a posse de Jair Bolsonaro que simplesmente extingue o ministério cabendo ao ex-desembargador Caio Luiz de Almeida Vieira de Mello (digno representante da burocracia estatal) o papel de último ministro do trabalha do Brasil. Pelo menos até então, pois o governo Bolsonaro anuncia a recriação do Ministério do Emprego e Previdência, sob os cuidados de Onyx Lorenzoni (que até então respondia pela Secretaria de Governo), para negociar apoio fisiológico dos políticos do Centrão, blindar o governo no legislativo e dificultar ainda mais a abertura de um processo de impeachment.
Se a existência de um espaço próprio voltado às questões do mundo do trabalho é uma condição necessária a um regime democrático, a forma como o atual governo conduz a volta do ministério do trabalho não atende aos interesses do trabalhador, pelo contrário, visa apenas ser mais um caminho aberto para a negociata política que é a essência deste governo antipopular.
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1 - Um panorama do embate entre Thatcher e os sindicatos ingleses pode ser visto em: http://www4.pucsp.br/neils/downloads/v17_18_pedro.pdf
2 - El neoliberalismo y sus consecuencias sociales en Chile. Marco Antonio Nieto Muñoz e Hugo Pichardo Hernández. Internet em https://www.academia.edu/33046732/El_neoliberalismo_y_sus_consecuencias_sociales_en_Chile
3 - A íntegra do plano está disponível em https://fpabramo.org.br/publicacoes/wp-content/uploads/sites/5/2020/09/Plano-Brasil-web9B2.pdf