No Theatro Municipal de São Paulo ocorreu um ato em protesto contra o marco temporal, neste mesmo local ocorreu a Semana de Arte Moderna de 22 que inseriu a temática indígena na arte moderna brasileira.
Arte e Cultura Junho 18, 2023
Por:
José Augusto Camargo
Na quarta (7 de junho) fui até as escadarias do Theatro Municipal de São Paulo para participar do ato em protesto contra o marco temporal. O ato contou com a presença de líderes e ativistas indígenas além de ambientalistas e vários movimentos sindicais e sociais. O encontro não foi um evento isolado pois também ocorreu em outros estados e na Esplanada dos Ministérios.
Parado em frente ao teatro encontrei amigos e ouvi os discursos pedindo o arquivamento do Projeto de Lei que estabelece que os povos originários só poderão reivindicar pose de áreas que já estivessem ocupando antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, o que atiraria no lixo os últimos trinta e cinco anos de organização e luta indígena.
O ato contou com cantos tradicionais e a apresentação de Zélia Duncan e Daniela Mercury. Quando as duas usavam suas vozes para amplificar as vozes daqueles que são mantidos calados me veio à mente a imagem da Semana de Arte Moderna de 1922, que foi realizada naquele mesmo local há cerca de cem anos. A analogia se justifica pela centralidade ocupada pela figura do indígena brasileiro naquele movimento em que um grupo jovens revolucionou a cultura brasileira.
O índio modernista não é o mesmo do movimento romântico que tem em Iracema, a virgem de lábios de mel, ou no heroico Peri que salva a filha do fazendeiro dos terríveis malfeitores o modelo idealizado pelo colonizador. O indígena de 22 é Macunaíma, de Mário de Andrade, o herói sem caráter do povo brasileiro que nasce preto e vira branco e que é baseado em várias lendas colhidas entre os povos originários, a música moderna se encontra em Vila Lobos que mistura cantigas populares, negras e índias com as composições clássicas e por isso ganhou, por parte de Menotti Del Pichia, o apelido de “índio de casaca”. Além disto temos o verso que vale por um manifesto nacionalista: “Tupi or not tupi, that's the question” que deságua no movimento antropofágico pelas mãos de Oswald de Andrade que décadas depois fermenta o tropicalismo.
Entre nós a questão indígena no que se refere às artes modernas do século XX é dialética; se opõe e se alimenta da cultura ocidental para criar a cultura brasileira. Neste sentido o marco temporal não apenas ataca o meio de vida dos povos originários como também violenta a cultura brasileira como processo criativo. O marco temporal está a serviço do latifúndio, mas também do colonialismo cultural.
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Foto de abertura feita pelo autor