Contornar os danos das redes sociais com políticas democráticas

A compra da plataforma de comunicação social Twitter pelo milionário Elon Musk suscita algumas reflexões sobre a função pública da internet. A questão em debate é saber como contornar os danos causados pelo mal uso da internet.

 Política e Comunicação   Abril 27, 2022

Contornar os danos das redes sociais com políticas democráticas

Por:

mdo José Augusto Camargo

A compra da plataforma de comunicação social Twitter pelo milionário Elon Musk suscita algumas reflexões sobre a função pública da internet. A declaração dada por ele após a consolidação do negócio de que a “A liberdade de expressão é a base de uma democracia em funcionamento, e o Twitter é a praça da cidade digital onde são debatidos assuntos vitais para o futuro da humanidade”, alimenta, mesmo que indiretamente, o debate de vários analistas que se dedicam a entender a importância e o impacto das novas tecnologias – particularmente as redes sociais – na vida contemporânea.

Apesar de não ser propriamente objetivo deste texto, dois aspectos teóricos saltam à vista quando se avalia as declarações do novo proprietário publicadas na imprensa onde ele afirma que o capital da empresa será fechado e não mais negociado em bolsa; o primeiro é o discurso que qualifica a liberdade de expressão como atributo meramente individual e o segundo que a gestão do espaço público – a “cidade digital” – pode ser feita pela iniciativa privada (ou melhor, pelo capital). Estes postulados reafirmam ideias do mais puro liberalismo e apontam na direção de que o controle das redes sociais pode não ser tão social assim. Fechado o parêntese, voltemos ao texto.

É fato que as entidades progressistas têm se esforçado para combater a desinformação nas redes. O PT faz todo um esforço para combater as fake news que, certamente, espalharão a desinformação no período eleitoral visando tumultuar o processo democrático; a CUT tem o projeto das “Brigadas Digitais” com o objetivo de disputar espaço nas redes sociais criando formadores para difundir e estruturar grupos de ativistas (objetivo é alcançar 50 mil brigadistas para circular informação de qualidade pelas redes, principalmente pelo Whatsapp) e outras iniciativas podem ser elencadas.

Para enfrentar o problema do conteúdo nas redes sociais a esquerda tem adaptado os fundamentos e as técnicas desenvolvidas pelo marketing digital, político ou de negócios aos seus propósitos desenvolvendo uma versão progressista da mesma técnica. Preparam os trabalhadores para atuar nas redes sociais existentes oferecendo um conteúdo progressista ou identificando e evitando os fraudulentos. É uma atitude louvável, mas que permanece circunscrita aos limites das grandes plataformas digitais, ou seja, sob o domínio do algoritmo controlado por elas que segue suas regras econômicas.

É óbvio que manejar ferramentas e técnicas para criar memes, desenvolver campanhas virais em rede, analisar o uso das métricas e entender o funcionamento das diferentes redes sociais (Facebook, Twitter, Tik Tok e outras), é importante e, mesmo vital, nestes tempos em que as plataformas digitais ocupam tamanha importância no nosso cotidiano, mas, uma política consistente de comunicação precisa avançar para além do aspecto operacional e adentrar o campo da criação de propostas inovadoras e socializantes, emfim, politizar o debate para além da simples instrumentalização. Não agir desta forma significa permanecer atrelado às big techs e ser dominado por elas abrindo mão de controlar a tecnologia para ser por ela controlado.

Seria primário da esquerda na atual conjuntura abandonar imediatamente as grandes redes sociais (uma vez que elas existem e são poderosas) mas, sob o ponto de vista estratégico, é preciso estabelecer uma política de comunicação digital própria, o que significa, inicialmente, avaliar a possibilidade de criação de uma rede social progressista que escape ao controle do capital. No caso específico de partidos de esquerda e de entidades de trabalhadores (que reclamam da “invisibilidade a que são condenados nas redes sociais comerciais) isto não apenas forneceria um meio de contato direto com – e entre a militância – como também passaria a ser um contraponto simbólico ao domínio tecnológico a que estamos submetidos.

Permanecer apenas na estratégia de “infiltração” nas redes sociais existentes não seria repetir o erro de pulverizar a comunicação em centenas de meios digitais sob os quais não se tem controle efetivo e inviabilizando a criação de uma grande e nacionalmente importante rede social progressista? Para aprofundar este debate seria interessante traçar um paralelo histórico com a tentativa, sempre frustrada ou, pelo menos, limitada, que o campo progressista teve durante décadas de criar seus próprios meios de comunicação de massa quando ainda no formato tradicional (rádio, TV e jornal).

É preciso salientar que sob o aspecto tecnológico não existe barreira para a criação de uma rede social pois há uma série de programas (notadamente softwares livres) que permitem sua implantação. A rede social que Donald Trump (Truth Social) lançou no início de 2022 nos EUA foi construída em cima do código-fonte da Mastodon, uma plataforma de código aberto. No entanto, é fato que ela encontra problemas para se afirmar, sendo particularmente restrita aos EUA, e de ser acusada de violar o acordo de licenciamento de software livre. Mas estes problemas não impedem que ela sirva de objeto de estudo e aprendizado por parte do campo progressista.

Paralelamente ao projeto de criação de uma rede social própria a esquerda pode introduzir outros temas no debate; o uso de software livre, o enfrentamento do controle exercido pelas grandes redes e seus algoritimos, combate as fake news, as patentes e o desenvolvimento tecnológico local, censura x regulação, direito autoral na rede, pirataria e pagamento pelo trabalho divulgado, proteção à privacidade (LGPD) etc.

Uma segunda frente onde é possível atuar de maneira prática, agora no parlamento, é a criação de meios legais para limitar o poder dos gigantes de tecnologia. Sem introduzir ou inovar drasticamente nenhum mecanismo legal parece viável legislar sobre o aspecto oligopolista que estas empresas exercem apelando para a lógica da proteção da livre concorrência, também é possível incidir sobre a questão tributária visando criar um ambiente de negócio equilibrado entre as chamadas empresas de TI e a mídia tradicional (jornais, revistas, rádios TVs, publicidade etc) que contam, há décadas, com mecanismos de ordenamento e controle por parte do Estado e também de instituições corporativas; regulação que praticamente inexiste – ou é bastante frouxa – no campo da tecnologia digital.

Na área do poder executivo não é absurdo pensar em políticas públicas, linhas de crédito ou programas para o fomento, estudo e desenvolvimento de tecnologia nacional para a internet. Como pode ser visto, estas propostas se inserem no campo democrático e liberal, não se tratam de ações radicais e dependem apenas de iniciativas políticas que podem ser desenvolvidas em parceria com a indústria nacional e a universidade.

Conclusão

A esta política aqui esboçada dou o nome de “redução de danos digitais” – em analogia ao modelo desenvolvido pela medicina em relação ao vício das drogas que alcançou grande impulso no Brasil com a explosão da contaminação pela AIDS entre viciados – quando se administra e limita paulatinamente o uso das substâncias tóxicas (no caso a dependência das big techs) trocando-as por soluções mais abertas e democráticas.

O primeiro passo para iniciar esta “redução de danos digitais” seria facilitar o acesso, divulgar e treinar o usuário comum para substituir os chamados “softwares proprietários” pelos “softwares livres”, disponíveis, testados e utilizados por milhares de pessoas, nos mais diversos sistemas operacionais, inclusive no quase onipresente Windows.

É óbvio que tornar as ideias aqui esboçadas em uma ação consistente e planejada vai demandar muita vontade política, organização, pesquisa e, talvez o mais importante para o seu sucesso, envolvimento de entidades sociais e sindicais, partidos políticos, enfim, mobilizar a sociedade em torno de um projeto popular e democrático para a internet que reduza os danos digitais a que estamos submetidos.

Referências para o debate:

Europa dá sinal verde para lei que visa conter o domínio das big techs - https://olhardigital.com.br/2022/03/25/pro/europa-lei-dominio-big-techs/

O Congresso precisa agir contra o descontrole das redes sociais - https://congressoemfoco.uol.com.br/blogs-e-opiniao/forum/o-congresso-precisa-agir-contra-o-descontrole-das-redes-sociais/

Internet e liberdade de expressão - http://contextosocial.com.br/internet-e-liberdade-de-express%C3%A3o

Informações básicas sobre a venda do Twitter - https://www.techtudo.com.br/listas/2022/04/elon-musk-compra-twitter-por-us-44-bi-veja-o-que-pode-mudar-na-rede.ghtml

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